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Um estatístico a serviço da saúde

Trabalho de docente do Imecc contribui para o aumento de partos naturais e diminuição de infecções hospitalares



| TEXTO CARMO GALLO NETTO | FOTOS ANTONINHO PERRI | EDIÇÃO DE IMAGEM LUIS PAULO SILVA

 

Surpreende quando se sabe que um graduado em ciência da computação e mestrado e doutorado em estatística, este realizado na Iowa State University, EUA, está envolvido no delineamento de planejamentos para a melhoria de processos na área da saúde.  Surpreende ainda mais quando a conversa com este docente aposentado da Unicamp não se apoia em conceitos estatísticos para expor os importantes resultados alcançados pelos projetos de que participa. Entre eles, a diminuição de cesarianas desnecessárias – em um país em que esse procedimento se tornou generalizado em detrimento do parto natural, e a redução de infecções hospitalares mais recorrentes em hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS), resultados alcançados em curto tempo.

Trata-se de Ademir José Petenate, professor colaborador junto ao Departamento de Estatística do Instituto de Estatística e Matemática e Computação Científica (Imecc) da Unicamp, onde coordena também o Núcleo de Estudos em Melhoria Organizacional (Nemo), que tem entre seus objetivos elaborar e executar projetos e atividades relacionados à melhoria organizacional; contribuir para a atualização de profissionais e instituições; estabelecer parcerias com instituições públicas e privadas e com pesquisadores; e produzir material didático relacionado à melhoria organizacional. 

O seu envolvimento na área remonta a 1989, quando a IBM o procurou com a proposta de montar um mestrado de qualidade. Naquela época estava em evidência a procura pela qualidade e era grande a demanda por métodos de melhoria organizacional que pudessem ser utilizados em quaisquer atividades humanas, fossem produtos ou serviços. Patrocinado pela empresa, ele implantou, no Imecc, o mestrado de qualidade destinado a profissionais do mercado, mantido até 2003, mais tarde formalizado pelo MEC como mestrado profissional, que viria a ser o primeiro desse gênero no Brasil, pois até então só existia o mestrado acadêmico.

Mais tarde, em 1999, ele foi procurado pela Compaq, que mantinha uma planta em Jaguariúna para a produção de computadores e notebooks, que se propunha a financiar a criação e manutenção de um curso de especialização em melhoria de processos, programa que se mantém há 18 anos.

Em 2003, quando a Unicamp criou seu Planejamento Estratégico, que tinha como um dos seus pilares a capacitação de sua gerência, ele foi procurado pela equipe encarregada e a partir daí criou o curso de capacitação pelo qual passaram mais de 600 profissionais de todas as unidades da instituição, entre eles muitos funcionários da área de saúde, particularmente médicos e enfermeiros. Foi quando passou a se interessar em aplicar o método de melhoria de processos organizacionais para a melhoria em processos da área de saúde: “Participando de projetos no Hospital de Clínicas e no Centro de Saúde da Comunidade (Cecom), ambos da Universidade, fui me envolvendo com a área de saúde, extremamente importante do ponto de vista humano e muito carente no Brasil”, diz ele.

A experiência e os resultados alcançados nos últimos cinco anos dedicados quase que exclusivamente à área de saúde o levaram a perceber o potencial de transformação com vistas a melhorias no atendimento. Mas para isso, constata, “é preciso capacitar pessoas, sejam médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, o que conseguimos com um curso de especialização em melhoria, oferecido há dois anos, com duração de nove meses, utilizando atividades didáticas on-line e presenciais. E grande parte da primeira turma que formamos está envolvida com os projetos de que participamos, e já estamos concluindo a terceira turma”.

 

O professor Ademir José Petenate: mudanças operacionais e comportamentais das equipes

 

Em todo o mundo, é grande a preocupação com a segurança do paciente. Já na década de 90 os profissionais da área de saúde se deram conta de como os processos que utilizam são complexos e inseguros. Hoje, lembra o docente, é muito mais arriscado ter um problema sério em decorrência da internação em hospital do que em viagem área. Essa percepção desencadeou um movimento mundial pela segurança do paciente, levando a projetos que visam melhorar os processos assistenciais. Para o docente, não adianta criminalizar as pessoas que comentem erros grosseiros, como o caso emblemático da enfermeira que trocou o frasco de soro por um de vaselina, provocando a morte da paciente, sem mudar as condições em que o atendimento é realizado. É preciso cuidar dos processos e concomitantemente treinar os profissionais. Os resultados alcançados nos projetos de que o professor Petenate participa são exemplos disso.


Projetos e resultados

O docente relata que mantinha contato com o Institute for Healthcare Improvement (IHI), instituição americana, sem fins lucrativos, que tem por objetivo contribuir para a melhora da condição de pacientes em todos os continentes, e é referência mundial nos cuidados em saúde. Foi então contratado pela instituição quando esta iniciava um projeto no Brasil relacionado a melhorias de cuidados de saúde, que envolviam, por exemplo, reduções de infecções, de quedas em hospitais, de lesões por pressão que ocorrem pacientes que permanecem deitados por muito tempo, ou seja, de todo o tipo de eventos adversos que possam acometer uma pessoa hospitalizada e passíveis de serem eliminadas ou minimizadas com a melhoria dos processos. A partir desse trabalho, realizado junto a uma operadora de planos de saúde, ele passou a participar de projetos realizados pelo IHI em parceria com instituições de saúde.

O IHI participou de projeto piloto em uma maternidade de Jaboticabal, interior de SP, que tinha como escopo aumentar a porcentagem de partos vaginais que estavam entre 3% a 4%, enquanto o recomendado pela OMS é de 75% a 80%. Em um ano de trabalho o grupo conseguiu que 42% dos partos fossem naturais, resultado excepcional em um país em que as taxas de cesarianas estão entre as mais altas do mundo.

Esses resultados levaram a Agência Nacional de Saúde (ANS) a associar-se ao IHI, ao Ministério da Saúde (MS) e ao Hospital Albert Einstein para a implantação do Projeto Parto Adequado, que envolveu 26 maternidades públicas e privadas, que tinha como objetivo aumentar a porcentagem de partos vaginais. Durante esse trabalho, que se estendeu por um ano e meio, a porcentagem de partos naturais foi de 18% para 38% em média, que correspondem a aproximadamente dez mil cesárias a menos no período.

Com o mesmo método, cinco grandes hospitais do Brasil – Albert Einstein, Sírio-Libanês, Oswaldo Cruz e Hospital do Coração, de São Paulo, e Moinho de Vento, de Porto Alegre – deram início em dezembro último a um projeto que tem como objetivo reduzir as infecções mais recorrentes nas UTIs de 120 hospitais do Sistema Único de Saúde, através do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS, financiado por isenções fiscais concedidos a hospitais filantrópicos de excelência que apoiam a promoção da melhoria das condições de saúde da população brasileira.

Também neste caso, diz o professor, “passamos inicialmente recomendações para mudança dos processos e treinamento do pessoal em todos os níveis para que os procedimentos seguros e a adesão dos profissionais sejam suficientes para reduzir o número de infecções”. Petenate enfatiza que na realidade os projetos não trazem conhecimentos novos, mas pretendem que as pessoas executem os procedimentos amplamente conhecidos de maneira correta. Mas isso impõe modificações operacionais e comportamentais das equipes. Os objetivos destas intervenções são reduzir 30% das infecções em um ano e meio e em 50% em três anos. Surpreendentemente, os resultados parciais revelaram-se mais auspiciosos que o esperado: as infecções decorrentes da utilização do cateter venoso central e da sonda urinária foram reduzidas, respectivamente, de 23% e 27%, em seis meses, ou seja, em menos da metade do tempo previsto. 

Em projeto anterior realizado com a Associação Congregação de Santa Catarina, de São Paulo, que mantém onze hospitais no país, as infecções haviam sido reduzidas de 50% em 18 meses, e os resultados se mantêm. Com a mesma Associação está em andamento um projeto previsto para, em 24 meses, reduzir a letalidade de Sepse, que é uma deterioração dos sinais vitais em função de uma infecção adquirida pelo paciente. No caso, a ideia básica é estabelecer um processo para que a pessoa que chegue ao pronto atendimento possa ser imediatamente diagnosticada e seja submetida ao tratamento adequado, evitando-se óbitos, pois nesses casos o tempo urge.

No desenvolvimento desses projetos colaborativos, as entidades patrocinadoras reúnem um grupo de especialistas que propõem um conjunto de mudanças que visam atingir a meta proposta, que seria, nos casos mencionados, o aumento progressivo de partos naturais, a diminuição das infecções hospitalares e o pronto diagnóstico e imediata medicação dos portadores de Sepse. Os hospitais testam as sugestões de mudanças, conhecidas como “bundles”, e as viabilizam para suas realidades. De posse das estatísticas que recebem, estabelecem então as devidas correções de rumo. “Continuamente damos assessoria aos hospitais e mensalmente mantemos com eles reuniões virtuais, e realizamos a cada três ou quatro meses encontros presenciais, oportunidades em que verificamos o que efetivamente vem dando certo e trocamos opiniões. Trata-se de um processo de aprendizado conjunto”, esclarece o entrevistado.

A propósito do trabalho, que envolve organizações públicas e privadas, sem conter a emoção: “Além da contribuição que damos à melhoria das condições de saúde do paciente, o que me encanta nesse trabalho é que não ocorre nenhuma ingerência política, mas todas as ações visam o interesse humano e social”.

Nesses projetos, o trabalho do professor tem duas vertentes: a mudança dos processos e o treinamento necessário para que os profissionais aprendam a alterá-los. Cabe a ele, portanto, como estatístico, com base nos dados reportados mensalmente pelos hospitais, montar gráficos indicativos de como o novo processo implantado está se comportando ao longo do tempo em relação aos indicadores perseguidos e possam então realizar aperfeiçoamentos. Uma intervenção importante, por exemplo, acontece em relação ao próprio médico que, diante do emprego indiscriminado de cesáreas, provavelmente não sabe mais realizar o parto normal que aprendeu na faculdade e precisa passar por um período de reciclagem. Por outro lado, a gestante, compreensivelmente temerosa da dor, precisa ser informada durante o pré-natal que existem hoje métodos alternativos mais tranquilos para o parto natural. Mas as maternidades precisam estar aparelhadas para aplicá-los. “Esses são alguns dos aspectos, que envolvem mudanças de estruturas e de processos, que trabalhamos com os hospitais com vistas a tornar o parto vaginal um procedimento mais corriqueiro. Claro que em certas situações a cesárea é necessária e salva vidas, mas em cerca de 80% a 85% dos casos ela não se justifica e hoje é indiscriminadamente aplicada, muitas vezes por conveniência dos médicos, pois o parto natural pode consumir horas”, constata Petenate.

Para ele, esse problema, que é real, pode ser contornado se em determinado momento do pré-natal a paciente for posta em contato com uma equipe de enfermeiras obstetras e médicos plantonistas que poderão vir a atendê-la durante o parto, inclusive sem necessidade da intervenção do médico, o que é muito comum na Europa, cuja assistência é requisitada apenas quando ocorrem complicações. Este procedimento leva a paciente a estabelecer uma relação de confiança e segurança não só com o médico, mas com toda a equipe de atendimento.